Cafeteria CAFÉ

Sabe quando a cabeça dá um nó, você não sabe mais o que fazer e então sente a garganta fechar pra começar o berreiro? Era o que Antonina estava sentindo, mas não podia começar a chorar naquele momento, tinha muita pesquisa a fazer.

Era o penúltimo período da faculdade e o temível trabalho de conclusão do curso estava tirando a sua paz.

Anto não conseguia arranjar tranquilidade em sua casa para confeccionar o trabalho, seus irmãos pequenos faziam muita bagunça e deixavam os cabelos de todos em pé, a única saída que ela tinha era escrever no Café que ficava próximo à faculdade.

Quem entrasse pela primeira vez na Cafeteria notaria o cheiro forte de café; os discos de vinil pendurados na parede à esquerda, onde ficava também uma bancada com os doces; o chão cuidadosamente limpo (Laila estava sempre limpando); e veria os agradáveis atendentes. Provavelmente essa pessoa daria 5 estrelas no Google.

Anto estava ali há tanto tempo que já se sentia de casa, ela sabia quais eram as primeiras impressões de um cliente novato. Não era mais o que ela notava quando ia à Cafeteria. Já sentia o cheiro pesado do açúcar; percebia as plantas semi úmidas ao lado do balcão (Anto não era a maior conhecedora de plantas, mas sabia que uma suculenta não deveria ser regada com tanta frequência e que precisava de luz solar); sabia que os quadros de Tarsila do Amaral diziam mais sobre a personalidade do local do que os discos de MPB na parede; e, claro, ela não reparava em todos os atendentes, só em Martino.

Martino tinha estudado o mesmo curso que Anto, na mesma faculdade, dois anos antes. Eles se conheceram em uma palestra e só quando a casa de Anto ficou impossível de alcançar notas altas nas cadeiras foi que ela descobriu que ele trabalhava no Café.

Aos poucos Martino foi dando dicas a Antonina sobre as matérias e os professores, como recuperar uma nota baixa e quais trabalhos eram dispensáveis e não mereciam o esforço dela. A partir disso foram criando um tipo de amizade restrita ao lado estudantil.

Pouquíssimas vezes eles conversaram sobre algo mais privado antes da vez em que Martino questionou o motivo dela ficar até tarde na Cafeteria, se ela não tinha um melhor lugar para ir:

-Na verdade, não tenho.

-Nem uma casa? – Perguntou rindo enquanto pegava a xícara vazia da mesa.

-Olha, até tenho uma casa, mas é quase impossível terminar algum trabalho lá. – Respondeu sem levantar o olhar do notebook.

-Quase, mas não é impossível. – Pousou a bandeja na mesa de Anto e puxou a cadeira ao seu lado. Não tinha quase ninguém no Café durante as tardes que ela aparecia.

-Você fala isso porque não esteve lá. – Antonina percebeu que falou isso sem pensar e que pareceu um convite.

-Bem, acredito no que está falando, mas aqui também não é um dos melhores lugares para estudar. – Martino disse olhando em volta, destacando o baixíssimo conforto que alguém poderia ter nas cadeiras de metal.

-Você está me expulsando? – Fez cara de surpresa para ele.

-Não! Eu gosto de ter você aqui. Todos os dias. Dá o toque familiar ao meu trabalho. – Martino também falou sem pensar e notou que isso pareceu um pouco flerte.

-Tudo bem, não vou embora. – Ela notou. – Que toque familiar?

-Parece minha avó. – Falou rindo, tentando fugir do que falou.

-Tá tentando fugir? – Chegou mais perto da mesa.

-Jamais. E o convite? – Martino fugiu do que falou.

-Que convite? – Antonina não se lembrava mais.

-Olha só quem está tentando fugir. – Martino riu alto se sentindo vitorioso por dar o troco.

-Ah! Não foi um convite, mas se quiser… – Anto mais uma vez falou sem pensar, mas não se arrependeu.

-Quanto tempo faz desde que você dormiu? – Martino desviou novamente das palavras de Anto, apontando para os cadernos e livros em cima da mesa.

-Eu tô tão acabada assim? – Falou passando os dedos entre os cabelos e esfregando o rosto quase pálido.

-Só um pouquinho, mas não se preocupe, você só precisa de um descanso. Vamos sair daqui quando eu largar? – Disse levantando rápido e pegando a bandeja.

-Eu adoraria, porém – enfatizou o porém. – preciso mesmo terminar esse trabalho. – Anto folheava os papéis como se procurasse por algo.

-Não tem. – Retrucou pegando uma das folhas jogadas na mesa. – Esse é dispensável. – Continuou rindo.

-Martino, se eu reprovar… – Antonina nem pensava mais antes de falar.

-Confia em mim. – Disse piscando um olho e saiu rindo.

Às 18:46 eles saíram da Cafeteria, Martino carregando metade dos livros de Antonina, do lado de fora da calçada. E esse foi o primeiro encontro deles, ainda acompanhados dos textos curriculares.

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